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A mostrar mensagens de setembro, 2005

Poema para uma ideia de tempo

Sabes do peso das folhas quando caem no Outono Sabes das cinzas que sobem pelo céu da boca do vulcão que acordou Tens a pintura dos anos No corpo que envelhece Todo o teu corpo Entre a vida e a morte Entre o início e o fim Entre mar Mundo Universo Sabes do Big-Bang e do espaço que se expande Sabes de uma teoria e de buracos negros e cordas Sabes da areia que se esvai no diminuto aperto da ampulheta Sabes do ritmo da música e de ondas que andam os oceanos O evaporar do poema A história Dos homens De nascimentos, mulheres Paixões que se imortalizam em deixas de teatro Ódios, que criam guerras Que criam lágrimas Nos olhos do soldado que é abatido na trincheira em mil novecentos e dezassete Sabes também que a tua voz é como uma folha de Outono E que um poema tem apenas a eternidade dos olhos de quem o lê. Pedro de Mendoza

Dois poetas, o mesmo mote

Descalça vai pera a fonte Descalça vai pera a fonte Lianor pela verdura; Vai fermosa, e não segura. Leva na cabeça o pote, O testo nas mãos de prata, Cinta de fina escarlata, Sainho de camalote; Traz a vasquinha de cote, Mais branca que a neve pura. Vai fermosa, e não segura. Descobre a touca a garganta, Cabelos de ouro entraçado, Fita de cor encarnado, Tão linda que o mundo espanta. Chove nela graça tanta, Que dá graça à fermosura. Vai fermosa, e não segura. Luís de Camões ------------------------------------------- Poema da auto-estrada Voando vai para a praia Leonor na estrada preta. Vai na brasa, de lambreta. Leva calções de pirata, vermelho de alizarina, modelando a coxa fina, de impaciente nervura. como guache lustroso, amarelo de idantreno, blusinha de terileno desfraldada na cintura. Fuge, fuge, Leonoreta: Vai na brasa, de lambreta. Agarrada ao companheiro na volúpia da escapada pincha no banco traseiro em cada volta da estrada. Grita de medo fingido, que o receio não é com ela

Eu

Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem sorte, Sou a irmã do sonho, e desta sorte, Sou a crucificada...a dolorida... Sombra de névoa ténue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida!... Sou aquela que passa e ninguém vê... Sou a que chamam triste sem o ser... Sou a que chora sem saber porquê... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver E que nunca na vida me encontrou! Florbela Espanca , Livro de Mágoas
... Fez-se de espanto o mar da minha vida Súbito tempestuoso no nascimento e na morte na sublime e imprevisível luz do amanhecer nas estrelas da noite velhas de milhões e milhões de anos Fez-se de vento Agora suave e depois mortal Como o passar do tempo Varrendo o Universo negro absoluto O vento criador de ondas Que dançam na superfície dos oceanos Dançam no início e no fim das coisas Na brisa que abraça a manhã Na ideia de amor E na esperança para lá do fim Fez-se o meu corpo como uma onda na praia apenas um momento na vida do Universo Pedro de Mendoza
As musas cegas, VII Bate-me à porta, em mim, primeiro devagar. Sempre devagar, desde o começo, mas ressoando depois, ressoando violentamente pelos corredores e paredes e pátios desta casa que eu sou. Que eu serei até não sei quando. É uma doce pancada à porta, alguma coisa que desfaz e refaz um homem. Uma pancada breve, breve - e eu estremeço como um archote. Eu diria que cantam, depois de baterem, que a noite se move um pouco para a frente, para a eternidade. Eu diria que sangra um ponto secreto do meu corpo, e a noite estala imperceptivelmente ou se queima como uma face. Escuta: que a noite vagarosamente se queima como a minha face. Essa criança tem boca, há tantas finas raízes que sobem do meu sangue. Um novo instrumento, uma taça situou-se na terra, e há tantas finas raízes que sobem do meu sangue. E uma candeia, uma flor, uma pequena lira, podem erguer-se de um rio de sangue, sobre o mundo - um novo instrumento rodeado pelas campânulas inclinadas, por ligeiras pedras húmidas, pelo