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Fonte, II No sorriso louco das mães batem as leves gotas de chuva. Nas amadas caras loucas batem e batem os dedos amarelos das candeias. Que balouçam. Que são puras. Gotas e candeias puras. E as mães aproximam-se soprando os dedos frios. Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões e órgãos mergulhados, e as calmas mães intrínsecas sentam-se nas cabeças filiais. Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado, vendo tudo, e queimando as imagens, alimentando as imagens, enquanto o amor é cada vez mais forte. E bate-lhes nas caras, o amor leve. O amor feroz. E as mães são cada vez mais belas. Pensam os filhos que elas levitam. Flores violentas batem nas suas pálpebras. Elas respiram ao alto e em baixo. São silenciosas. E a sua cara está no meio das gotas particulares da chuva, em volta das candeias. No contínuo escorrer dos filhos. As mães são as mais altas coisas que os filhos criam, porque se colocam na combustão dos filhos, porque os filhos estão como invasore
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Terra Seca Terra seca terra quieta de noites imensas. (Vento na oliveira, vento na serra.) Terra velha do candil e da pena. Terra das fundas cisternas. Terra da morte sem olhos e as flechas. (Vento dos caminhos. Brisa nas alamedas.) Garcia Lorca
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Mal nos conhecemos Inauguramos a palavra amigo! Amigo é um sorriso De boca em boca, Um olhar bem limpo Uma casa, mesmo modesta, que se oferece. Um coração pronto a pulsar Na nossa mão! Amigo (recordam-se, vocês aí, Escrupulosos detritos?) Amigo é o contrário de inimigo! Amigo é o erro corrigido, Não o erro perseguido, explorado. É a verdade partilhada, praticada. Amigo é a solidão derrotada! Amigo é uma grande tarefa, Um trabalho sem fim, Um espaço útil, um tempo fértil, Amigo vai ser, é já uma grande festa! Alexandre O'Neill
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Velha Fábula em Bossa Nova Minuciosa formiga não tem que se lhe diga: leva a sua palhinha asinha, asinha. Assim devera eu ser e não esta cigarra que se põe a cantar e me deita a perder. Assim devera eu ser: de patinhas no chão, formiguinha ao trabalho e ao tostão. Assim devera eu ser se não fora não querer. (-Obrigado,formiga! Mas a palha não cabe onde você sabe...) Alexandre O'Neill
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Adeus, Lisboa Vou-me até à Outra Banda no barquinho da carreira. Faz que anda mas não anda; parece de brincadeira. Planta-se o homem no leme. Tudo ginga, range e treme. Bufa o vapor na caldeira. Um menino solta um grito; assustou-se com o apito do barquinho da carreira. Todo ancho, tremelica como um boneco de corda. Nem sei se vai ou se fica. Só se vê que tremelica e oscila de borda a borda. Chapas de sol, coruscantes como lâminas de espadas, fendem as águas rolantes esparrinhando flamejantes lantejoulas nacaradas. Sob o dourado chuveiro, o barquinho terno e mole, vai-se afastando, ronceiro, na peugada do Sol. A cada volta das pás moendo as águas vizinhas, nos remoinhos que faz, nos salpicos que me traz e me enchem de camarinhas, há fagulhas rutilantes, esquírolas de marcassites, polimentos de pirites, clivagens de diamantes, Numa hipnose coletiva, como um friso de embruxados, ao longe os olhos cravados em transe de expectativa, todos juntos, na amurada, numa sonolência de ópio, vemos,
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Dizem que a paixão o conheceu dizem que a paixão o conheceu mas hoje vive escondido nuns óculos escuros senta-se no estremecer da noite enumera o que lhe sobejou do adolescente rosto turvo pela ligeira náusea da velhice conhece a solidão de quem permanece acordado quase sempre estendido ao lado do sono pressente o suave esvoaçar da idade ergue-se para o espelho que lhe devolve um sorriso tamanho do medo dizem que vive na transparência do sonho à beira-mar envelheceu vagarosamente sem que nenhuma ternura nenhuma alegria nunhum ofício cantante o tenha convencido a permanecer entre os vivos Al Berto
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Dez réis de esperança Se não fosse esta certeza que nem sei de onde me vem, não comia, nem bebia, nem falava com ninguém. Acocorava-me a um canto, no mais escuro que houvesse, punha os joelhos á boca e viesse o que viesse. Não fossem os olhos grandes do ingénuo adolescente, a chuva das penas brancas a cair impertinente, aquele incógnito rosto, pintado em tons de aguarela, que sonha no frio encosto da vidraça da janela, não fosse a imensa piedade dos homens que não cresceram, que ouviram, viram, ouviram, viram, e não perceberam, essas máscaras selectas, antologia do espanto, flores sem caule, flutuando no pranto do desencanto, se não fosse a fome e a sede dessa humanidade exangue, roía as unhas e os dedos até os fazer em sangue. António Gedeão
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As aldeias Eu gosto das aldeias sossegadas, com o seu aspecto calmo e pastoril, erguidas nas colinas azuladas, mais frescas que as manhãs finas de Abril. Pelas tardes das eiras, como eu gosto de sentir a sua vida activa e sã! Vê-las na luz dolente do sol-posto, e nas suaves tintas da manhã!... As crianças do campo, ao amoroso calor do dia, folgam seminuas, e exala-se um sabor misterioso de agreste solidão das suas ruas. Alegram as paisagens as crianças mais cheias de murmúrios do que um ninho: e elevam-nos às coisas simples, mansas, ao fundo, as brancas velas dum moinho. Pelas noites de Estio, ouvem-se os ralos zunirem nas suas notas sibilantes... E mistura-se o uivar dos cães distantes com o cântico metálico dos galos. Gomes Leal, Claridades do Sul
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A Rapariga do País de Abril Habito o sol dentro de ti descubro a terra aprendo o mar rio acima rio abaixo vou remando por esse Tejo aberto no teu corpo. E sou metade camponês metade marinheiro apascento meus sonhos iço as velas sobre o teu corpo que de certo modo é um país marítimo com árvores no meio. Tu és meu vinho. Tu és meu pão. Guitarra e fruta. Melodia. A mesma melodia destas noites enlouquecidas pela brisa no País de Abril. E eu procurava-te nas pontes da tristeza cantava adivinhando-te cantava quando o País de Abril se vestia de ti e eu perguntava atónito quem eras. Por ti cheguei ao longe aqui tão perto e vi um chão puro: algarves de ternura. Qaundo vieste tudo ficou certo e achei achando-te o País de Abril. Manuel Alegre 30 Anos de Poesia Publicações Dom Quixote

POEMAS DA PRIMAVERA

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A FONTE Com voz nascente a fonte nos convida A renascermos incessantemente Na luz do antigo sol nu e recente E no sussurro da noite primitiva. Sophia de Mello Breyner FLORES Era preciso agradecer às flores Terem guardado em si, Límpida e pura, Aquela promessa antiga Duma manhã futura. Sophia de Mello Breyner GLÓRIA Depois do Inverno, morte figurada, A primavera, uma assunção de flores. A vida Renascida E celebrada Num festival de pétalas e cores. Miguel Torga
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La mano [Conto. Texto completo] Ramón Gómez de la Serna El doctor Alejo murió asesinado. Indudablemente murió estrangulado. Nadie había entrado en la casa, indudablemente nadie, y aunque el doctor dormía con el balcón abierto, por higiene, era tan alto su piso que no era de suponer que por allí hubiese entrado el asesino. La policía no encontraba la pista de aquel crimen, y ya iba a abandonar el asunto, cuando la esposa y la criada del muerto acudieron despavoridas a la Jefatura. Saltando de lo alto de un armario había caído sobre la mesa, las había mirado, las había visto, y después había huido por la habitación, una mano solitaria y viva como una araña. Allí la habían dejado encerrada con llave en el cuarto. Llena de terror, acudió la policía y el juez. Era su deber. Trabajo les costó cazar la mano, pero la cazaron y todos le agarraron un dedo, porque era vigorosa corno si en ella radicase junta toda la fuerza de un hombre fuerte. ¿Qué hacer con ella? ¿Qué luz iba a arrojar sobre el
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"Um domingo Estoril" de passarem navios, petroleiros. de passarem às vezes cruzadores. de passarem as nuvens e os veleiros. de cansarem o olhar os pescadores. de passarem atletas e mulheres. de passarem os cães e os namorados. e, em seus óculos grandes como halteres, inglesas lambiscando os seus gelados. de passarem as ruivas do casino, sardentas e lascivas, e o ginasta que em frente dos banhistas faz o pino. de passar o comboio que se afasta. de passar repassar a mulidão de um domingo estoril no paredão. Vasco Graça Moura
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Quatro sonetos a Afrodite Anadiómena I PANDEMOS Dentífona apriuna a veste iguana de que se escalca auroma e tentavela. Como superta e buritânea amela se palquitonará transcêndia inana! Que vúlcios defuratos, que inumana sussúrica donstália penicela às trícotas relesta demiquela, fissivirão boíneos, ó primana! Dentívolos palpículos, baissai! Lingâmicos dolins, refucarai! Por manivornas contumai a veste! E, quando prolifarem as sangrárias, lambidonai tutílicos anárias, tão placitantos como o pedipeste. II ANÓSIA Que marinais sob tão pora luva de esbanforida pel retinada não dão volpúcia de imajar anteada a que moltínea se adamenta ocuva? Bocam dedetos calcurando a fuva que arfala e dúpia de antegor tutada, e que tessalta de nigrors nevada. Vitrai, vitrai, que estamineta cuva! Labiliperta-se infanal a esvebe, agluta, acedirasma, sucamina, e maniter suavira o termidodo. Que marinais dulcífima contebe, ejacicasto, ejacifasto, arina!... Que marinais, tão pora luva, todo... III URÂNIA Purília
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A mulher que passa Meu Deus, eu quero a mulher que passa. Seu dorso frio é um campo de lírios Tem sete cores nos seus cabelos Sete esperanças na boca fresca! Oh! Como és linda, mulher que passas Que me sacias e suplicias Dentro das noites, dentro dos dias! Teus sentimentos são poesia Teus sofrimentos, melancolia. Teus pêlos são relva boa Fresca e macia. Teus belos braços são cisnes mansos Longe das vozes da ventania. Meu Deus, eu quero a mulher que passa! Como te adoro, mulher que passas Que vens e passas, que me sacias Dentro das noites, dentro dos dias! Por que me faltas, se te procuro? Por que me odeias quando te juro Que te perdia se me encontravas E me encontravas se te perdias? Por que não voltas, mulher que passas? Por que não enches a minha vida? Por que não voltas, mulher querida Sempre perdida, nunca encontrada? Por que não voltas à minha vida Para o que sofro não ser desgraça? Meu Deus, eu quero a mulher que passa! Eu quero-a agora, sem mais demora A minha amada mulher que
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Não toques nos objectos imediatos Não toques nos objectos imediatos. A harmonia queima. Por mais leve que seja um bule ou uma chavená, são loucos todos os objectos. Uma jarra com um crisântemo transparente tem um tremor oculto. É terrível no escuro. Mesmo o seu nome, só a medo o podes dizer. A boca fica em chaga. Herberto Helder
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Seios Sei os teus seios. Sei-os de cor. Para a frente, para cima, Despontam, alegres, os teus seios. Vitoriosos já, Mas não ainda triunfais. Quem comparou os seios que são teus (Banal imagem) a colinas! Com donaire avançam os teus seios, Ó minha embarcação! Por que não há Padarias que em vez de pão nos dêem seios Logo p´la manhã? Quantas vezes Interrogaste, ao espelho, os seios? Tão tolos os teus seios! Toda a noite Com inveja um do outro, toda a santa Noite! Quantos seios ficaram por amar? Seios pasmados, seios lorpas, seios Como barrigas de glutões! Seios decrépitos e no entanto belos Como o que já viveu e fez viver! Seios inacessíveis e tão altos Como um orgulho que há-de rebentar Em desesperadas, quarentonas lágrimas... Seios fortes como os da Liberdade - Delacroix - guiando o povo. Seios que vão à escola p´ra de lá saírem Direitinhos p´ra casa... Seios que deram o bom leite da vida A vorazes folhos alheios! Diz-se rijo dum seio que, vencido, Acaba por vencer... O amor excessivo du