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A mostrar mensagens de outubro, 2006

O Poeta

Trabalha agora na importação e exportação. Importa metáforas, exporta alegorias. Podia ser um trabalhador por conta própria, um desses que preenche cadernos de folha azul com números de deve e haver. De facto, o que deve são palavras; e o que tem é esse vazio de frases que lhe acontece quando se encosta ao vidro, no inverno, e a chuva cai do outro lado. Então, pensa que poderia importar o sol e exportar as nuvens. Poderia ser um trabalhador do tempo. Mas, de certo modo, a sua prática confunde-se com a de um escultor do movimento. Fere, com a pedra do instante, o que passa a caminho da eternidade; suspende o gesto que sonha o céu; e fixa, na dureza da noite, o bater de asas, o azul, a sábia interrupção da morte. Nuno Júdice

Língua mater dolorosa

Tu que foste do Lácio a flor do pinho dos trovadores a leda a bem-talhada de oito séculos a cal o pão e o vinho de Luís Vaz a chama joalhada tu o casulo o vaso o ventre o ninho e que sôbolos rios pendurada foste a harpa lunar do peregrino tu que depois de ti não há mais nada, eis-te bobo da corja coribântica: a canalha apedreja-te a semântica e os teus verbos feridos vão de maca. Já na glote és cascalho és malho és má­língua, de brisa barco e bronze foste a língua; língua serás ainda... mas de vaca. Natália Correia

Laranja, peso, potência.

Laranja, peso, potência. Que se finca, se apoia, delicadeza, fria abundância. A matéria pensa. As madeiras incham, dão luz. Apuram tão leve açúcar, tal golpe na língua. Espaço lunado onde a laranja recebe soberania. E por anéis de carne artesiana o ouro sobe à cabeça. A ferida que a gente é: de mundo e invenção. Laranja assombrosamente. Doce demência, arrancada à monstruosa inocência da terra. Herberto Helder