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A mostrar mensagens de junho, 2006

Magnificat

Quando é que passará esta noite interna, o universo, E eu, a minha alma, terei o meu dia? Quando é que dispertarei de estar accordado? Não sei. O sol brilha alto, Impossivel de fitar. As estrelas pestanejam frio, Impossíveis de contar. O coração pulsa alheio, Impossivel de escutar. Quando é que passará este drama sem teatro, Ou este teatro sem drama, E recolherei a casa? Onde? Como? Quando? Gato que me fitas com olhos de vida, quem tens lá no fundo? É Esse! É esse! Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei; E então será dia. Sorri, dormindo, minha alma! Sorri, minha alma: será dia! Álvaro de Campos

Ode marítima

a Santa Rita Pintor Sózinho, no cais deserto, a esta manhã de verão, Ólho pró lado da barra, ólho pró Indefinido, Ólho e contenta-me vêr, Pequeno, negro e claro, um paquete entrando. Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira. Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo. Vem entrando, e a manhã entra com êle, e no rio, Aqui, acolá, acorda a vida marítima, Erguem-se velas, avançam rebocadores, Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto. Ha uma vaga brisa. Mas a minh'alma está com o que vejo menos, Com o paquete que entra, Porque êle está com a Distância, com a Manhã, Com o sentido marítimo desta Hora, Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea, Como um começar a enjoar, mas no espírito. Ólho de longe o paquete, com uma grande independência de alma, E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente. Os paquetes que entram de manhã na barra Trazem aos meus olhos comsigo O mistério alegre e triste de quem chega e parte. Trazem memórias d

As amoras

O meu país sabe a amoras bravas no verão. Ninguém ignora que não é grande, nem inteligente, nem elegante o meu país, mas tem esta voz doce de quem acorda cedo para cantar nas silvas. Raramente falei do meu país, talvez nem goste dele, mas quando um amigo me traz amoras bravas os seus muros parecem-me brancos, reparo que também no meu país o céu é azul. Eugénio de Andrade , O outro nome da Terra

Quase epitáfio

O outro sabia. Tinha uma certeza. Sou eterno, dizia. Eu não tenho nada. Amei o desejo com o corpo todo. Ah, tapai-me depressa. A terra me basta. Ou o lodo. Eugénio de Andrade , Epitáfios

Gato

Que fazes por aqui, ó gato? Que ambiguidade vens explorar? Senhor de ti, avanças, cauto, meio agastado e sempre a disfarçar o que afinal não tens e eu te empresto, ó gato, pesadelo lento e lesto, fofo no pêlo, frio no olhar! De que obscura força és a morada? Qual o crime de que foste testemunha? Que deus te deu a repentina unha que rubrica esta mão, aquela cara? Gato, cúmplice de um medo ainda sem palavras, sem enredos, quem somos nós, teus donos ou teus servos? Alexandre O'Neill

Gato

Que fazes por aqui, ó gato? Que ambiguidade vens explorar? Senhor de ti, avanças, cauto, meio agastado e sempre a disfarçar o que afinal não tens e eu te empresto, ó gato, pesadelo lento e lesto, fofo no pêlo, frio no olhar! De que obscura força és a morada? Qual o crime de que foste testemunha? Que deus te deu a repentina unha que rubrica esta mão, aquela cara? Gato, cúmplice de um medo ainda sem palavras, sem enredos, quem somos nós, teus donos ou teus servos? Alexandre O'Neill

A décima ilha

Imagem
Esta fotografia da autoria do Gaspar Ávila é poesia!

Serranilha

A serra é alta, fria e nevosa; vi venir serrana gentil, graciosa. Vi venir serrana, gentil, graciosa; cheguei-me per?ela com grã cortesia. Cheguei-me per?ela de grã cortesia, disse-lhe: senhora, quereis companhia? Disse-lhe: senhora, quereis companhia? Disse-me: escudeiro, segui vossa via. Gil Vicente