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A mostrar mensagens de dezembro, 2006

Almada, todo Almada.

Cena do ódio A Álvaro de Campos a dedicação intensa de todos os meus avatares. Foi escrito durante os três dias e as três noites que durou a revolução de 14 de Maio de 1915 Ergo-Me Pederasta apupado d'imbecis, Divinizo-Me Meretriz, ex-líbris do Pecado, e odeio tudo o que não Me é por Me rirem o Eu! Satanizo-Me Tara na Vara de Moisés! O castigo das serpentes é-Me riso nos dentes, Inferno a arder o Meu Cantar! Sou Vermêlho-Niagara dos sexos escancarados nos chicotes dos cossácos! Sou Pan-Demónio-Trifauce enfermiço de Gula! Sou Génio de Zaratrusta em Taças de Maré-Alta! Sou Raiva de Medusa e Danação do Sol! Ladram-Me a Vida por vivê-La e só Me deram Uma! Hão-de lati-La por sina! Agora quero vivê-La! Hei-de Poeta cantá-La em Gala sonora e dina Hei-de Glória desanuviá-La! Hei-de Guindaste içá-La Esfinge da Vala pedestre onde Me querem rir! Hei-de trovão-clarim levá-La Luz às Almas-Noites do Jardim das Lágrimas! Hei-de bombo rufá-La pompa de Pompeia nos Funerais de Mim! Hei-de Alfange-Ma

Poema do fecho-éclair

Filipe II tinha um colar de oiro, tinha um colar de oiro com pedras rubis. Cingia a cintura com cinto de oiro, com fivela de oiro, olho de perdiz. Comia num prato de prata lavrada girafa trufada, rissóis de serpente. O copo era um gomo que em flor desabrocha, de cristal de rocha do mais transparente. Andava nas salas forradas de Arrás, com panos por cima, pela frente e por trás. Tapetes flamengos, combates de galos, alões e podengos, falcões e cavalos. Dormia na cama de prata maciça com dossel de lhama de franja roliça. Na mesa do canto vermelho damasco, e a tíbia de um santo guardada num frasco. Foi dono da Terra, foi senhor do Mundo, nada lhe faltava, Filipe Segundo. Tinha oiro e prata, pedras nunca vistas, safiras, topázios, rubis, ametistas. Tinha tudo, tudo, sem peso nem conta, bragas de veludo, peliças de lontra. Um homem tão grande tem tudo o que quer. O que ele não tinha era um fecho-éclair. António Gedeão, Poesias completas

Litania para o Natal de 1967

Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto num sótão num porão numa cave inundada Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto dentro de um foguetão reduzido a sucata Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto numa casa de Hanói ontem bombardeada Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto num presépio de lama e de sangue e de cisco Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto para ter amanhã a suspeita que existe Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto tem no ano dois mil a idade de Cristo Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto vê-lo-emos depois de chicote no templo Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto e anda já um terror no látego do vento Vai nascer esta noite à meia-noite em ponto para nos pedir contas do nosso tempo David Mourão-Ferreira, Lira de bolso