Pulvis es, et in pulverem reverteris
Pulvis
es, et in pulverem reverteris
“Sois
pó e em pó vos haveis de converter”, vem
esta passagem do livro do Gênesis a propósito da Quaresma e da caminhada que
alguns de nós já iniciaram, outros já acabaram e outros ainda há que vão
começar. A caminhada de penitência, fé e esperança do Romeiro de São Miguel que
desde os primórdios (1522) até hoje sofreu muitas evoluções e involuções mas
que se manteve um movimento de cristãos em busca da salvação orando a Deus por
interceção de Maria Mãe de Jesus.
Na
Igreja de Santo António dos Portugueses (Sant'Antonio in Campo Marzio), na Cidade
de Roma no ano de 1672, no seu “Sermão de
quarta-feira de cinzas”, o Padre António Vieira acrescentou à frase bíblica
as palavras memente homo, que significa: lembra-te ó Homem! Como uma
exclamação recordatória de que todos somos insignificantemente mortais.
Na verdade, muitos Cristãos como nós preocupam-se demasiado
com a vida na terra, tratando dela como se fosse eterna quando na verdade todos
sabemos que não o é, e descurando o tratamento da morte ou melhor da vida que
durará para sempre. O Padre Jesuíta, filósofo,
escritor barroco e orador de grandes dotes persuasivos pergunta nesse sermão: “ Pode
haver loucura mais rematada, pode haver cegueira mais cega que empregar-me todo
na vida que há de acabar, e não tratar da vida que há de durar para sempre?”. Nesse curto tempo em que vivemos aqui, na terra, não devemos
valorizar-nos e apegar-nos demasiado às coisas materiais. Antes, porém, devemos
cuidar da nossa alma, da nossa vida que vem depois da morte e que queremos
eterna.
A caminhada penitencial do Romeiro de São Miguel é um momento
dos mais intensos que um Cristão pode viver para tratamento da sua alma, para a
construção e para cuidar da sua vida que durará para sempre.
Mas finda a caminhada e terminada a quaresma, não fique esse
cristão “descansado” sobre a sua penitência de 8 dias. Ele está, de facto, de
alma cheia, mas tal como as flores viçosas de um jardim murcham se delas não
cuidarmos atenciosamente, também os vigores da fé se vão esbatendo se não
cuidarmos da alma através da Palavra da Salvação todos os dias da nossa vida
terrena.
Não temos que ser romeiros todo o ano, não precisamos usar
lenço xaile e bordão para sermos bons cristãos e cuidarmos da nossa alma e
ajudarmos outros irmãos a serem salvos. Podemos faze-lo, evangelizando,
participando na eucaristia, divulgando a palavra de Deus.
Pergunta Vieira sobre a nossa missão de tratar a alma numa
referência velada à ida às missas de semana: “(…) De vinte e quatro horas que tem o dia, por que se não dará uma
hora à triste alma?”. É nesta pergunta que nos deixa O Padre António Vieira
que devemos concentrar-nos no dia a seguir a regressarmos à nossa paróquia e às
nossas casas. Ser melhor cristão tratando cuidadosamente e todos os dias da
nossa vida que será para sempre mesmo que isso implique abdicar de coisas que
podem ser agradáveis para a nossa vida que, sabemos, vai acabar.
Nuno Barata Almeida E Sousa
Rancho de Santa Clara
Suplemento O Romeiro, jornal A Crença, edição de 2 de Março de 2018
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