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A mostrar mensagens de abril, 2004
O MOSTRENGO O mostrengo que está no fim do mar Na noite de breu ergueu-se a voar; À roda da nau voou trez vezes, Voou trez vezes a chiar, E disse: «Quem é que ousou entrar Nas minhas cavernas que não desvendo, Meus tectos negros do fim do mundo?» E o homem do leme disse, tremendo: «El-rei D. João Segundo!» «De quem são as velas onde me roço? De quem as quilhas que vejo e ouço?» Disse o mostrengo, e rodou trez vezes, Trez vezes rodou immundo e grosso. «Quem vem poder o que só eu posso, Que moro onde nunca ninguém me visse E escorro os medos do mar sem fundo?» E o homem do leme tremeu, e disse: «El-rei D. João Segundo!» Trez vezes do leme as mãos ergueu, Trez vezes ao leme as reprendeu, E disse no fim de tremer trez vezes: «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quere o mar que é teu; E mais que o mostrengo, que me a alma teme E roda nas trevas do fim do mundo, Manda a vontade, que me ata ao leme, D' El-rei D.
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O meu tesouro és tu eternamente tu não há passos divergentes para quem se quer encontrar... Jorge Palma
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Símbolos? Estou farto de símbolos... Mas dizem-me que tudo é símbolo. Todos me dizem nada. Quais símbolos? Sonhos. – Que o sol seja um símbolo, está bem... Que a lua seja um símbolo, está bem... Que a terra seja um símbolo, está bem... Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa, E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas Para o azul do céu? Mas quem repara na lua senão para achar Bela a luz que ela espalha, e não bem ela? Mas quem repara na terra, que é o que pisa? Chama terra aos campos, às árvores, aos montes. Por uma diminuição instintiva, Porque o mar também é terra... Bem, vá, que tudo isso seja símbolo... Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra, Mas neste poente precoce e azulando-se O sol entre farrapos finos de nuvens, Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado, E o que fica da luz do dia Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina Onde demorava outrora com o namorado que a dei
Abril com "R" «Trinta anos depois querem tirar o r se puderem vai a cedilha e o til trinta anos depois alguém que berre r de revolução r de Abril r até de porra r vezes dois r de renascer trinta anos depois Trinta anos depois ainda nos resta da liberdade o l mas qualquer dia democracia fica sem o d. Alguém que faça um f para a festa alguém que venha perguntar porquê e traga um grande p de poesia. Trinta anos depois a vida é tua agarra as letras todas e com elas escreve a palavra amor (onde somos sempre dois) escreve a palavra amor em cada rua e então verás de novo as caravelas a passar por aqui: trinta anos depois.» Manuel Alegre
Sou um guardador de rebanhos Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a v
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, Não há nada mais simples. Tem só duas datas - a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra coisa todos os dias são meus. Sou fácil de definir. Vi como um danado. Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma. Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei. Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver. Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras; Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento. Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais. Um dia deu-me o sono como a uma criança. Fechei os olhos e dormi. Além disso, fui o único poeta da Natureza. Alberto Caeiro
Centenário das palavras Todos os dias faz anos que foram inventadas as palavras. É preciso festejar todos os dias o centenário das palavras. Nós e as palavras Nós não somos do século de inventar as palavras. As palavras Já foram inventadas. Nós somos do século de inventar outra vez as palavras que já foram inventadas. Almada Negreiros (1921) Poeta d'Orpheu, futurista e tudo
Comentários O Corsário das Ilhas, já tem comentários, a partir de hoje, podem comentar toda a poesia e prosa aqui “postadas” e trocar opiniões entre todos.
Nota: Espero não ter estragado o Blog com um texto meu.
posta restante Posto e não posto . Gostava de postar mas não posto. Posta restante. Aposto que não posto a bosta da posta que tenho para postar. Posto bastante sem postar. Quase não posto. Aposto que não gosta da posta que posto. Posto para mim. Posto porque gosto. Não posta, aposto Porque sim Porque tem medo Da bosta da posta Aposto que sim. um texto poético para a blogosfera, publicado há tempos no Foguetabraze
MAR PORTUGUÊS Ó mar salgado, quanto do teu sal São lágrimas de Portugal! Por te cruzarmos, quantas mães choraram, Quantos filhos em vão rezaram! Quantas noivas ficaram por casar Para que fosses nosso, ó mar! Valeu a pena? Tudo vale a pena Se a alma não é pequena. Quem quere passar além do Bojador Tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, Mas nele é que espelhou o céu. Fernando Pessoa - a mensagem
Oiço falar Oiço falar da minha vocação mendicante e sorrio. Porque não sei se tal vocação não é apenas uma escolha entre riquezas, como Keats diz ser a poesia. Desci á rua pensando nisto, atravessei o jardim, um cão saltava á minha frente, louco com as folhas do outono que principiara e doiravam o chão. A música, digamos assim, a que toda a alma aspira, quando a alma aspira a ter do mundo o melhor dele, corria á minha frente, subia por certo aos ouvidos de deus com a ajuda de um cão, que nem sequer me pertencia. Eugénio de Andrade
O sal da língua Escuta, escuta: tenho ainda uma coisa a dizer. Não é importante, eu sei, não vai salvar o mundo, não mudará a vida de ninguém - mas quem é hoje capaz de salvar o mundo ou apenas mudar o sentido da vida de alguém? Escuta-me, não te demoro. É coisa pouca, como a chuvinha que vem vindo devagar. São três, quatro palavras, pouco mais. Palavras que te quero confiar, para que não se extinga o seu lume, o seu lume breve. Palavras que muito amei, que talvez ame ainda. Elas são a casa, o sal da língua. Eugénio de Andrade
O lugar da Casa Uma casa que fosse um areal deserto; que nem casa fosse; só um lugar onde o lume foi aceso, e à sua roda se sentou a alegria; e aqueceu as mãos; e partiu porque tinha um destino; coisa simples e pouca, mas destino: crescer como árvore, resistir ao vento, ao rigor da invernia, e certa manhã sentir os passos de abril ou, quem sabe?, a floração dos ramos, que pareciam secos, e de novo estremecem com o repentino canto da cotovia. Eugénio de Andrade
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Eu tenho idéias e razões, Conheço a cor dos argumentos E nunca chego aos corações. Fernando António Nogueira de Pessoa 1932
Poetas portugueses traduzidos em Itália A editora italiana Mondadori acaba de publicar uma antologia de mais de 400 páginas de poesia portuguesa, incluindo Pedro Tamen, Gastão Cruz, Manuel Alegre e Nuno Júdice. Chama-se "Inchiostro nero che danza sulla carta" ("tinta negra que dança no pápel)", e é organizada e traduzida por Giulia Lanciani, com prefácio do poeta e ensaísta Manuel Gusmão. Cada poeta tem cerca de 70 páginas em edição bilingue. Boa noticia esta, para a literatura Portuguesa.