O poema que Eu gostava de ter escrito e não escrevi. O poema que Eu gostava de pôr aqui e Ela não deixou, o poema que está aqui
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A mostrar mensagens de março, 2004
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Poeta castrado, não!
Serei tudo o que disserem
Por inveja ou negação:
Cabeçudo dromedário
Fogueira de exibição
Teorema corolário
Poema de mão em mão
Lãzudo publicitário
Malabarista cabrão.
Serei tudo o que quiserem:
Poeta castrado, não!
Os que entendem como eu
As linhas com que me escrevo
Reconhecem o que é meu
Em tudo quanto lhes devo:
Ternura como já disse
Sempre que faço um poema;
Saudade que se partisse
Me alagaria de pena;
E também uma alegria
Uma coragem serena
Em renegar a poesia
Quando ela nos envenena.
Os que entendem como eu
A força que tem um verso
Reconhecem o que é seu
Quando lhes mostro o reverso:
Da fome já não se fala
-É tão vulgar que nos cansa-
Mas que dizer de uma bala
Num esqueleto de criança?
Do frio não reza a história
-a morte é branda e letal-
Mas que dizer da memória
De uma bomba de napalm?
E o resto que pode ser
O poema dia a dia?
-Um bisturi a crescer
Nas coxas de uma judia;
Um filho que vai nascer
Parido por...
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Poema em Linha Recta
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondìvelmente parasita,
Indesculpàvelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapêtes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do sôco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do sôco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mu...
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Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...
Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, 'stou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!
Fernando Pessoa, 23-10-1931
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O Menino da sua Mãe
No plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas traspassado
– Duas, de lado a lado –,
Jaz morto, e arrefece.
Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos.
Tão jovem! Que jovem era!
(Agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino da sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve.
Dera-lhe a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira,
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... Deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece!)
Jaz morto, e apodrece,
O menino da sua mãe.
Fernando Pessoa
1926